terça-feira, agosto 22, 2006

Édipo - Acasos de uma leitura heterodoxa

Trata-se de uma ânfora de cerâmica datada de 440 a. C (ver Anexo A). Neste vaso grego, que se encontra no Museu Municipal de San Gimignano (Siena, Itália), sobre uma base negra, a pintura coruscante em vermelho mostra um homem apoiado num bastão. À sua frente, a esfinge parece esperar uma resposta para a pergunta que foi feita ao sujeito. Se este homem, que mais se assemelha a um velho se escorando numa vareta em busca de equilíbrio, solucionar a adivinha que lhe foi proposta pelo monstro que tem diante de si, as recompensas podem ser enormes.

(...)

Mas será mesmo que tudo depende apenas de uma resposta certa? Talvez seja preciso mirar o vaso com maior atenção, tentando enxergar naquilo que se vê o que não é para ser visto. Com efeito, se a ânfora for observada com melhor empenho, o que se poderá notar é que a tinta negra não recebeu, de fato, nenhum outro tipo de pigmento sobre ela. Na verdade, a técnica adotada neste artesanato fino consiste em cobrir a superfície da ânfora com um verniz negro, deixando o espaço da figura com o mesmo tom escarlate da argila.

Então, os arabescos que encimam o jarro, o homem que se sustenta na vareta, o monstro poderoso que espera a resposta e a mulher que alguma coisa parece esperar são, é o que agora se pode jurar, não o preenchimento, mas a própria falta do verniz escuro. É a partir da ausência da tinta negra, pelas lacunas que ela deixou na argila vermelha, que vislumbramos encontrar as figuras que simbolizam um dos mitos mais caros da antigüidade grega. Uma lenda cujos espaços, vazios ou não, foram se preenchendo ao longo de mais de três mil anos, chegando ao século XXI de nossa história tão consistente e viva como aparenta estar a ânfora que podemos observar virtualmente, pela internet, e, de perto, num museu de uma cidade italiana. Assim, poder-se-ia mesmo afirmar que é pela falta que talvez possamos vislumbrar o dito, o próprio mito.

As figuras que, por meio da ausência de tinta, encontram-se presentes no jarro são significantes básicos do mito de Édipo. E se a esfinge, Jocasta e o próprio Édipo possuem atualmente um vigor semelhante, ou talvez maior, do que no dia mesmo em que o vaso foi manufaturado, isto se deve certamente a uma obra literária: o Oidípous Týrannos, de Sófocles.

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