segunda-feira, setembro 12, 2005

Flagrantes da criação

Soraya Belusi
Uma faixa amarela indicava o lugar marcado. Eram 19h, quando nos receberam no portão. Um corredor de paredes vermelhas desemboca no fundo do galpão, onde ao redor de uma mesa, aguardava um grupo de atores. Sobre a mesa, livros. Entre eles, “O Poder do Mito”, cuja ligação com os outros elementos descobriremos adiante. Uma cena da vida real, de um espetáculo em construção, encontros que acontecem bem antes de soar o terceiro sinal.

Trata-se de um flagrante de bastidor, ação planejada pela equipe do Magazine, com o total consentimento de dois importantes grupos de teatro de Belo Horizonte. O primeiro deles, a Odeon Cia. Teatral, com sede no Barro Preto – indicada pela faixa amarela – está, sob o comando do diretor Carlos Gradim, mergulhada nos estudos do texto “O Inferno”, dramaturgia de Edmundo de Novaes, inspirada em “A Divina Comédia” e “Grande Sertão Veredas”. A Cia. Trama, acompanhada do diretor e dramaturgo Eid Ribeiro, escancarou para a reportagem o processo de construção de “Os Três Patéticos”, espetáculo com estréia marcada para o dia 7 de outubro. São momentos distintos no andamento da montagem de cada uma das companhias.

Poderíamos dizer que a Odeon ainda está em fase de reconhecimento do material que tem nas mãos e nas mentes para poder “levantar a cena”. Mas esta primeira abordagem da dramaturgia, que muitos denominam estudo de mesa, seguiu caminhos pouco convencionais. O elenco foi dividido em dois grupos. Três atores para cada lado. Ao lado esquerdo do diretor, Geraldo Peninha, Marcelo do Vale e Renata Cabral formam o time da defesa. À direita, Rafael Neumayr, Marina Arthuzzi e Cynthia Paulino são os acusadores. O texto está em julgamento. O diretor é o juiz. A acusação deve encontrar os pontos mais questionáveis do texto. E a defesa, os principais trunfos. Parece brincadeira, mas tudo é levado e realizado muito a sério.

“Na minha cabeça, existe um fundamento. Esta (“O Inferno”) não é uma história linha, não traz um caminho muito claro para a encenação, e até mesmo para a interpretação. Temos que criar toda uma atmosfera imagética para começar um estudo prático”, explica Gradim.

Antes de dar a largada para o embate, o diretor nos apresenta os personagens de “O Inferno” e seus respectivos intérpretes. Marcelo do Vale é o “Doutor”, Renata Cabral é a “Santa”, Cynthia Paulino, a “Moça”. Rafael Neymaur fará o “Danado”, Marina Arthuzzi vive a “Negrinha”, Geraldo Peninha, o “Capiau”. “Faltam os atores para os personagens ‘Criatura’, e para a ‘Velha’, cujo convite está sendo feito agora, pela reportagem, à Wilma Henriques, com quem quero trabalhar há muito tempo. É apenas uma cena, mas digna de sua grandeza, fechando o espetáculo”, adianta.

É o segundo round deste julgamento, que se iniciou na semana anterior, com os atuais times jogando no lado contrário, ou seja, quem era acusação, agora é defesa, e vice-versa. “Todos a postos”, o diretor dá o tom de formalidade. “Dentro da nossa lógica de trabalho, começa a acusação. Dou cinco minutos, para explanações, e depois a gente inverte”, dita as regras.

A acusação toma de assalto seus cartazes. Em cada uma daquelas imensas folhas de papel Kraft, esclarecimentos sobre o “passo-a-passo” da trajetória do herói, segundo Joseph Campbell, autor do citado “O Poder do Mito”.

Surgem muitas as indagações – como a que tenta revelar o jogo e o objetivo do herói –, mas não faria sentido colocar aqui, tamanha é a profundidade que todos estão mergulhados em relação ao texto. Mas uma frase de Peninha é preciso destacar: “Além do mero prazer, o teatro tem algo a dizer. Se não tiver isso, não há porque montar. Para defender esse texto, quero crer em uma razão e tenho argumentos sólidos.” E segue o julgamento.

É chegada a hora do veredicto: “A acusação mais defendeu que acusou”, afirma Carlos Gradim. Agora, temos que ver como transformar isso em linguagem cênica, lembra. “E chegamos a uma tragédia moderna: um texto que não leva, a priori, a lugar algum. Hoje, me vieram muitas imagens, inclusive da encenação. Primeiro, na questão da dor. São os humanos que a sentem. O texto começa em um tom mais mitológico e vai se humanizando”, contextualiza Gradim, dando prosseguimento ao raciocínio.

Muito papo rolou, até o fim do ensaio. Com a palavra, o diretor-anfitrião: “Agora, temos um caminho de imagens para começar. Já podemos até ir para o chão. Não temos a platéia, nem a cena posta, com as metáforas constituídas. Isso é um outro momento".

- caderno Magazine, jornal O Tempo, 11 de setembro de 2005

Um comentário:

Anônimo disse...

HELENA DISSE:
Ei, você tem que deletar aquele link propaganda gratuita para o Google e o pior de todos, que é aquele Edit-me! Ou então edita de uma vez e coloca um link qualquer. Tá feio assim...uma pena! Um blog tão bonitinho...