sexta-feira, setembro 09, 2005

El amante granadino

Na conquista dos mouros, na reconquista de Fernando e Isabel de Castela, nas lutas intermináveis em que o país se debateu desde então, o grande drama da Espanha sempre foi o da unidade nacional. O século XX espanhol assiste ao paroxismo da mais cruel guerra civil. Todos saíram derrotados. O país quase desaparece sob o fascismo avassalador de Francisco Franco e seus asseclas, que se auto-intitulavam forças nacionalistas.

Se há um conceito do qual a ideologia fascista é inimiga, é esse de nação. Pois Nação é povo, corpo cultural, social, político e econômico, devidamente formado por indivíduos integrados por interesses comuns: independência, liberdade, promoção e realização de suas virtualidades como seres humanos. Contra o conceito libertário de Nação, o fascismo inventa o conceito de Pátria, união apregoada em meio ao espalhafato de hinos e bandeiras e uniformes impecáveis, e não deixa espaço para o concerto das consciências. O fascismo pressupõe submissão e silêncio de todo o povo a uma elite dirigente, resultando na morte física e simbólica do povo e desaparecimento da consciência crítica.

Como poderia então falar de Federico García Lorca sem me ater ao conceito de Nação e sem denunciar o regime hediondo que fez desaparecer um dos maiores poetas de língua espanhola do século XX? Ele foi o grande poeta nacional da Espanha moderna. Fez poesia em diversos dialetos. Sua obra congrega o conjunto de sentimentos nacionais na aguerrida e viril natureza do povo ibérico como também na sua languidez. Foi um homem-síntese. Quando fervia a agitação política, colocou sua literatura a serviço da República. Foi coerente em tudo - até em sua morte. Ao eclodir a guerra civil espanhola, foi dos primeiros a ser executado, com o indescritível prejuízo da poesia. E se o artista sobrevivesse?

Lorca nasce em 05 de junho de 1898, na aldeia de Fuente Vaqueros, sob jurisdição de Granada, situada num vale irrigado entre colinas, denominado vega. Herdou da mãe a inteligência e do pai o temperamento sanguíneo e apaixonado. O ambiente humano e natural destes primeiros anos deixaram uma marca indestrutível na sensibilidade do futuro poeta. Mais tarde, ele viria a escrever o seguinte: “Toda a minha infância se concentrou na aldeia. Pastores, campos, céu, solidão. Uma simplicidade total. Fico surpreso, muitas vezes, quando certas pessoas pensam que as coisas na minha obra são ousadas improvisações de minha autoria, liberdades de um poeta. Nada disso. São pormenores autênticos e parecem estranhos, na opinião de muitas pessoas, pelo fato de não ser freqüente abordarmos a vida de um modo tão simples e direto: olhando e escutando. Uma coisa tão fácil, não é? (...) Tenho um enorme depósito de recordações da infância na qual posso escutar as pessoas falando. Isto é memória poética e confio nela implicitamente.” (Obras Completas, Aguilar)

Federico pertencia a terra e ao povo, na vega não havia qualquer diferenciação lingüística que separasse ricos e pobres, camponeses e proprietários rurais. Lorca herdou todo o vigor de uma linguagem que tem origem na terra e se expressa com extraordinária espontaneidade. É suficiente escutar os habitantes deste vale granadino falando e observando seu uso muito colorido de expressões coloquiais para se compreender a linguagem metafórica do teatro e da poesia de Lorca (Yerma, Doña Rosita la Soltera o El Lenguaje de las Flores, Bodas de Sangre, Romancero Gitano),que parece tão notavelmente original, tem origens numa consciência natural, antiga, coletiva, mágica. Na natureza - árvores, montanhas, cavalos, lua, flores e homens - se relacionam intimamente, configurando o equilíbrio do mundo vivenciado em que sofrimentos e alegrias podem até mesmo se corresponder.

A paisagem de grande parte da obra de Lorca é sensual, antropomórfica e participa da ação do homem: a lua pode materializar-se mulher defunta frente aos olhos assustados de uma criança, as folhas da oliveira empalidecem de medo, a primeira luz da manhã são tamborinos de vidro ferindo a madrugada. Trata-se de um mundo de estranhas metamorfoses, mundo mítico de vozes misteriosas, sussurros na noite. Extremos mundos do primeiro beijo ao primeiro pássaro morto na ramagem.

Lorca imortaliza a vega e Granada em sua obra, mas não o faz num sentido localista. Sua obra alcança universalidade, pois soube traduzir a trágica existência e a irremediável finitude, que rondam o homem, temas universais, transcendendo, com sua poesia e teatro, fronteiras geográficas, credos, raças, ideologias. A vega corresponde simbolicamente ao sertão, aos pampas, à charneca, ao deserto. Antes de tudo, a obra é universal quando não se separam arte e vida. Que seria a arte sem vínculo compromisso com a vida? Arte não seria, arremedo, falsificação grosseira. E Lorca sabia o totalitarismo da Espanha franquista e seu desejo de trair a vida. Sua produção artística incomodou os falangistas e foi alvo da censura mais torpe porque se comprometia com o despertar da consciência do povo espanhol para o que os constituía. Sua poesia e teatro reverberam a vida e com isso permitem ao povo o reconhecimento indubitável.

Ao longo da história, dispomos de inúmeros exemplos de pessoas, dentre elas, artistas que sucumbiram sob a atrocidade do poder. Poderes ilégítimos que as calavam simplesmente porque a coerência e vigor diante da vida tornavam-se uma afronta que não conseguiam suportar. A propósito, contra esta maquinaria do totalitarismo, cinqüenta e quatro anos depois da execução de Lorca, o escritor cubano Reinaldo Arenas registrou que os governantes do mundo inteiro, a classe reacionária que está sempre no poder em qualquer tipo de sistema levanta-se contra a população que deseja somente viver, e assim inimiga do dogma e da hipocrisia política corre o risco de desaparecer, vítima das calamidades criadas pelos poderosos.

DESPEDIDA

Si muero

Dejad el balcón abierto

El niño come naranjas
(Desde mi balcón lo veo)

El segador siega el trigo
(Desde mi balcón lo siento)

Si muero
Dejad el balcón abierto

(Canciones, 1927)

ADELINA DE PASEO

La mar

no tiene naranjas.
ni Sevilla tiene amor.
Morena, qué luz de fuego.


Préstame tu quitasol.
Me pondrá la cara verde,

zumo de lima y limón,
tus palabras, pececillos,
nadarán alrededor.

La mar no tiene naranjas.

Ay, amor.
Ni Sevilla tiene amor!

(Andaluzas, 1921-1924)

CASIDA DE LA ROSA
a Angel Lázaro

La rosa

no buscaba la aurora:
casi eterna en su ramo,
buscaba otra cosa.

La rosa

no buscaba ni ciencia ni sombra:
confín de carne y sueño,
buscaba otra cosa.

(Diván del Tamarit, 1936)


- publicado por Hermana de Poetas - setembro de 2005

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